Regina Célia é escritora, formada em Letras, membro da AMULMIG _ Academia Municipalista de Letras de Minas Gerais, autora dos Livros Gangorra e Ad versos, alem de crônicas publicadas em jornais e em posts.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Metamorfose

Às vezes as rajadas do vento são fortes e nos despenteiam Os raios repicam entre os nossos passos em chicotadas de fogo e até a chuva não se despeja em forma líquida, atingindo-nos com pedradas de gelo. É ... Esses são dias em que nos sabemos lagartas! Feias, asquerosas, até meio nojentas! Extremamente solicitarias e carentes. Às vezes de fogo, que deseja um afago mas a ousadia humana não permite o acariciar dos pelos de uma taturana!

O cachepô do muro, recoberto de  verbenas coloridas constitui o abrigo ideal contra o vento e a fúria das tempestades.

Dezenas de lagartas percorrem o mesmo caminho em busca de abrigo e logo um dormitório de casulos é inaugurado no muro de casa.

Ponho-me a observar a ansiosa busca do recolhimento escuro e só. Quando em estado de casulo, mesmo com a dor da transformação solitária, vida nova, mais alegre e colorida  é preparada na tessitura frágil de um par de asas.

Em poucos dias a escuridão começa a translucidar-se e um novo ciclo de vida já pode ser visto. Ao romper-se o casulo nada se vê que remonte à lembrança da feia lagarta de fogo.

Na clausura de meu quarto-casulo teço asas às palavras e nas rimas de um poema sonho-me borboleta.

Entre o chão e o céu








Nas minhas memórias eu poderia dizer que passei a infância em uma chácara, mas a consciência de que isso não é verdade  não me permite fantasiar...

Morávamos na antiga Rua Belo Horizonte (hoje Tancredo Neves) e quase todos os vizinhos eram parentes ou “cumpadres”...Uma grande família!

O quintal era provido de um vasto pomar e uma área inacessível aos menores: um pequeno bosque que ia dar no córrego São Miguel. Aos olhos de criança parecia mesmo uma densa floresta escura e medonha, com habitantes nada amistosos, como gambás, taturanas, teiús, etc. E uma colorida cortina de cipós (ou lianas) pendia do topo das árvores que guardavam seus mistérios.

Cipó é uma palavra indígena tupiguarani, cuja pronúncia original era iça-pó ou, literalmente, a mão do galho. Liana é uma designação internacional, usada tanto entre os botânicos de língua latina como os anglo-saxões. Vem do francês antigo lier, por sua vez derivado do latim ligare (ligar), numa alusão à conexão feita por esse tipo de planta entre o solo e a copa.

Segundo o Dicionário dos Símbolos de Jean Chevalier e Alain Gheerbrant, entre os tailandeses, a liana é a ligação primitiva entre o Céu e a Terra, cujos frutos deram origem às diversas raças humanas. No Induísmo, a relação entre a liana e a árvore na qual se enrola é um símbolo de amor e evoca a espiral da vida, a eterna evolução das forças naturais.’

Pois bem! Nesse emaranhado de mãos e vidas, de mitos e verdades, de culturas diversas, perde-se a lembrança dos mistérios que existiram e permaneceram inexplorados  no meu quintal. Até Tarzan, sua tanga ridícula  e seu grito de horror despareceram...A correnteza do São Miguel lavou tudo e  levou para muito longe!

Universo Paralelo



Geralda é uma artista, atrevo-me a dizer, inigualável no oficio de fazer mais belas as mulheres a quem se põe a colar, amarrar ou trançar os cabelos a fim de torná-los mais  longos, mais cheios, lisos ou cacheados. Geralda é mestre na arte do mega-hair.

Um trabalho perfeito advém de suas habilidosas mãos durante mais de uma dezena de horas dedicadas a uma única cabeça.

Cansativo? Claro que sim! Mas vale a pena, com certeza! No entanto à dor e ao cansaço adicionam-se pérolas de Geralda e a risada é constante...

Ao longo dos vários anos de trabalho Geralda constatou que os grampos e os prendedores de cabelo (piranhas) possuem um universo próprio para o qual se deslocam  diariamente e de onde ficam a rir-se da busca constante de seus supostos proprietários por encontrá-los... E tudo levava a crer que essa seria uma verdade absoluta, pois não é que os tais prendedores realmente desaparecem como num toque de mágica?

Cheguei a suspeitar que o citado universo fosse paralelo ao universo dos guarda-chuvas,   chaveiros e sombrinhas perdidos. Nunca são encontrados!

Da última visita de Geralda  à minha casa desapareceram três piranhas... Conformada, ela disse que não apareceriam mais e que certamente estavam rindo de nós.

Nunca as ouvi rindo, no entanto, debochadamente, encontrei cinco exemplares na gaveta de minha cômoda! Não apenas os três desaparecidos dias antes, mas cinco!

Seria a minha gaveta o universo particular das danadinhas? Não sei a resposta, mas nas outras gavetas eu não encontrei as sombrinhas, guarda-chuvas e chaveiros perdidos... O universo pode não ser paralelo.