Regina Célia é escritora, formada em Letras, membro da AMULMIG _ Academia Municipalista de Letras de Minas Gerais, autora dos Livros Gangorra e Ad versos, alem de crônicas publicadas em jornais e em posts.

quinta-feira, 28 de abril de 2011

O lendário Jorge (daqui, dali e de Capadócia)


Príncipe no Cavalo Branco em socorro das mocinhas sedentas de amor... Rival dos poetas desejosos de assenhorar-se da lua... Escuderia de Fé inquebrantável dos guerreiros de Ogum, Oxossi das Matas, fidelidade personificada, comandante cristão, protetor da fé, patuá contra os olhares maldosos... Ei-lo comemorado em 23 de abril: Jorge, de Capadócia!

A ele tributos são dados em musicas, orações, medalhas cunhadas... Herança deixada pelos portugueses, o culto a São Jorge ganhou reforço dos africanos pelo sincretismo religioso e ao militar/mártir são dedicadas missões e promessas, as quais mal tem tempo de constatar. Jorge protege contra a inveja, contra os inimigos, contras as investidas de armas de fogo e de armas brancas. O escudo de Jorge protege o seu devoto e o distancia dos perigos. O protegido de Jorge torna-se um seu soldado seguidor.

Por todos os lados, pobres, desvalidos, afortunados e destemidos clamam pela proteção do nome do guerreiro que não vacila em sua fé em Deus... O Rio de Janeiro se divide na devoção entre os mártires Sebastião e Jorge, pois oficialmente o padroeiro é São Sebastião, já boa parte dos cariocas convoca ao posto São Jorge... Terreiros de candomblé, de umbanda, igrejas católicas, anglicanas, tabas, tendas, mosteiros, conventos levam seu nome em honraria, mas o que mais emociona é o sonho de felicidade... Moçoilas de todo universo sonham com a chegada de um príncipe montado em um vistoso cavalo branco, a capturá-las da infelicidade para serem felizes para sempre... E lá vem Jorge novamente! Ops... Dá licença? Este lugar na fila é meu!

domingo, 24 de abril de 2011

Tudo é lindo em nome do amor


Por não entender o significado, intrigava-me a expressão antiga, muito falada nas comunidades rurais e tanto enfeita a última flor do lácio, inculta e bela: Pra mode.
Pra mode o que você corre tanto? Tenho que apressar o passo pra mode eu chegar antes da chuva! O Zé foi carpir a roça pra mode semear o milho...

E não havia modo pra mode eu entender o pra mode... A expressão simplesmente não fazia falta alguma nas orações mas era – e é – usada com rigor tibetano.

Até que um dia – bela apresentação sobre a Lusitana Língua Mãe! – descobri a palavra – chave que desvendaria esse mistério que cerca a expressão intrigante : corruptela!

Corruptela pode ser entendida como a deformação de palavras, originada pela má compreensão/audição e sua posterior reprodução. Muitos vocábulos e palavras de nossa língua formaram-se a partir de corruptelas, como por exemplo, o pronome você, originado por várias corruptelas de "Vossa Mercê": Vossa Mercê, Vosmercê, Vosmicê, Vancê e finalmente você, ocê e cê.

Bom, explicações técnicas à parte, vamos retomar a expressão misteriosa, pra mode esclarecermos os fatos. Pra mode entender o uso da expressão foi necessário saber que é uma corruptela da expressão “por amor de”, já em desuso, mas tão prenhe de sentimento, de sensibilidade, de pureza que chega a emocionar! Tudo é lindo em nome do amor... Por amor de que você corre tanto? Tenho que apressar o passo por amor de eu chegar antes da chuva! O Zé foi carpir a roça por amor de semear o milho... Fazer tudo por amor! Será que não é disso que estamos precisando pra mode sermos mais felizes?

Lygia


O firmamento está mais brilhante. A terra mais contrita. As andorinhas mais enlutadas e os pássaros em silêncio.
Barão de Cocais não entoou seu Hino no anoitecer do dia 07 de fevereiro e no alvorecer do dia 08 são João não foi louvado com seu Hino predileto. Dona Lygia fechou seus olhos e virou estrela. Estrela que pisca mais que as outras. Estrela que ilumina caminhos escuros, mas deixa-nos entristecidos com a sua partida.
Os anjos preparam as trombetas para saudá-la ao som de Chico Buarque : “ Lígia, Lígia... E quando você me envolver nos seus braços serenos/ Eu vou me render / Mas seus olhos morenos/ Me metem mais medo que um raio de sol”
Os corais, os violões, o órgão do Santuário... Tudo mais se silenciou!Os livros da Biblioteca Pública Municipal se amontoaram na pequena varanda para prestar uma última homenagem a quem deles cuidou por tantos anos! Silêncio absoluto! Lygia passa... O vento soprou poesia à passagem do féretro... Inexplicavelmente a paz conduziu o cortejo. Vá em paz!

sábado, 23 de abril de 2011

Pandalelê


Em que lugar desse vasto mundo foram parar as brincadeiras de criança do meu tempo de menina? Talvez no mesmo lugar onde se encontram os guarda-chuvas e sombrinhas perdidos, esquecidos nalgum canto... Às vezes relembro com certa saudade das pipas coloridas, dos jogos de queimada, pique-esconde, amarelinha, gangorras, bolinhas de gude, petecas de palha de bananeira, carrinhos de rolimã, pés-de-lata, pernas de pau, pião, ioiô, cabo de guerra, cavalinho de pau, pula corda, boneca, aviõezinhos e barquinhos de papel, cama de gato, cabra cega, bambolê, ciranda, escravos de Jô, cantigas de roda...casei
Haja tempo e memória para tantas lembranças! O corpo já velho se cansa de reviver mentalmente tantas brincadeiras, que faziam parte do cotidiano do meu pequenino mundo infantil... A memória, por vezes, trai a confiança que nela depositamos e muitas atividades passam mesmo desapercebidas, mas tiveram sua importância, afinal o que a memória ama se eterniza. (Certo, Adélia?)
Já não vemos mais que poucas peladas nos campinhos de várzea. Isso quando a criança ainda tem a sorte de morar perto de alguma área desabitada e que pode ser usada como m improvisado campo de futebol.
Subir em pés de fruta? Fazer piqueniques nos quintais? Caçar passarinhos? Nadar no Açude? Ah, isso são coisas tiradas de clássicos da literatura... Não há que se pedir que alguém com menos de quinze anos acredite que isso tenha existido.
Não consigo acompanhar também a rapidez das transformações tecnológicas, mas confesso que não sinto inveja alguma das atividades recreativas das crianças de hoje , que se divertem mesmo é com os games, celulares, MP sem número(11, 12??), os computadores de ultima geração, Iphones, Ipads, Ipods... Hummm Aipim cozido com manteiga e café quente é bom também!
Peço desculpas por toda uma geração que se vê incapaz de oferecer aos pequeninos um pouco do que tivemos num tempo não muito distante e que nos fazia tão bem, pois penso que eles – os pequeninos – também merecem.
Os céus ainda esperam pipas coloridas, as queimada ardem à espera dos brincantes, o pique-esconde anda escondido, a amarelinha amadurece a cada dia, as gangorras se balançam solitárias, as bolinhas de gude se enterraram deprimidas, as palha de bananeira sonham em virar petecas, os carrinhos de rolimã esperam a aposentadoria dos controles remotos, as latas aguardam para serem recicladas, pernas de pau hoje são os maus alunos das escolinhas de futebol, pião não é mais que um trabalhador braçal, ioiô é só um apelido, cavalinho de pau é trote proibido e perigoso em carro, bonecas – somente as que falam ou andam, aviõezinhos são... melhor pular esse. Cantigas de roda... Sim, essas ainda sobrevivem. Alguém tem que fazer alguma coisa para restituir, culturalmente, tanta riqueza. Vamos brincar de Pandalelê? Quem sabe o escolhido seja você ???

A matéria de que é feito o sonho


Alguns afirmam que os sonhos são tecidos finos, etéreos, frágeis . Outros garantem que possuem o segredo da eterna juventude (“sonhos não envelhecem”). Há os que nem acreditam nos sonhos – quanta maldade! – mas como as bruxas, que eles existem, existem!

O que é afinal sonho? Pergunto-me a todo instante se toda realidade já foi sonho em algum momento. Seriam válidos os sonhos que sonhamos apenas quando dormimos? Enquanto muitos dormem, outros acordam cedo e vão trabalhar! Perseguimos os sonhos e os sonhos perseguem os sonolentos e os que batalham...

O brinquedo sonhado, o vestido sonhado, o emprego dos sonhos! Sonhos que aw aquecem nos braços do amor, sonhos naufragados em lágrimas, sonhos de picumã amarelecidos nos recôndidos da alma temendo por se deixarem realizar.

Quando um sonho se realiza, perde seu encantamento e deixa de ser sonho, mas torna-se a maravilhosa realidade, que é a materialização da essência onírica. É preciso, pois, sonhar outros propósitos, é preciso viver para realizá-los . Há uma incrível simbiose entre vida e sonhos... Oh, claro! Somos feitos da mesma matéria de que são feitos os sonhos... Shakespeare nos disse isso há mais de 500 anos, outros românticos, humanos, sensíveis também cantam e contam os sonhos. No entanto, mal percebemos a verdade nas falas mansas dos poetas. Não passam de sonhadores

As cores do sorriso


Um dia a gente percebe que não sorri mais como antigamente. Que o sorriso deve ser sob medida... Nem muito, nem pouco. E, principalmente, não deve ser fora de hora (só que a gente não aprende que tem hora certa pra sorrir...) As crianças sorriem com tanta naturalidade que, mesmo em prantos, conseguem nos tirar um leve sorriso... suave, mas colorido.

Um dia então a gente percebe que já não gosta de pirulitos, que o biscoito recheado é enjoativo, que aprendemos a assoviar e que o algodão doce não desperta qualquer desejo outro, senão o de lavar as mãos.

Quando a gente percebe essas pequenas coisas, começa a perceber que aquele coleguinha de infância e que vemos todos os dias não é mais que um estranho. Que mal sabemos travar uma conversa com alguém que não seja pela internet ou pelo celular. Que não basta ter um aparelho, pois a briga pelos bônus nos faz carregar o peso de dois ou três , que tocam ao mesmo tempo! Tempo... o que é mesmo???

È... Isso tudo não nos deixa perceber que é a exigüidade do tempo que nos faz dar pouca importância ao outro. Que quando alguém pergunta se está tudo bem ou como vão as coisas, não tem tempo para ouvir a resposta.

E depois de um longo tempo passa a perceber que os sorrisos todos perderam as cores. Só o amarelo prevalece. Sorriso de arco íris é próprio das crianças e sentimos saudade. Palavra que possui a forma de lágrima.

Contemplação


Admiro as mulheres naturais... Cara lavada, unhas sem esmaltes, sobrancelhas grossas, cabelos presos num rabo de cavalo e apenas dois ou três grampos a segurar-lhes uns fios arrebentados.

As mulheres naturais se querem enrubescer um pouco as maçãs do rosto tascam-lhes uns beliscões nas bochechas e mordem os lábios para chamar-lhes o sangue e assegurar-lhes o tom avermelhado. E buço. Sempre um buço espesso quase podendo ser chamado de bigodes.

Ah... As mulheres naturais possuem uma postura invejável! Equilibram, sem o menor receio, enormes trouxas de roupas sobre a cabeça e não se utilizam das mãos para garantir-lhes o equilíbrio.

Limpam peixes sem reclamar, não se enjoam com o cheiro de galinha sendo depenada com água fervente e tecem longos bordados para o enxoval que não possui perspectivas de uso... Especiais, magníficas, mas meio fora de moda. Estão em extinção.

Contemplo-as como quem contempla fotos antigas de família. Valores muitos já em desuso, mas de uma simplicidade tão linda que nem mesmo a absoluta ausência de vaidade lhes rouba a beleza refletida num espelho d’água.


Admiro as mulheres não-naturais, algumas podem mesmo ser até artificiais. Rosto maquiado logo pela manha, unhas impecavelmente feitas, sobrancelhas pinçadas, cabelos de mega hair escovados e com chapinha, sempre hidratados, batom e blush importados e uma sessão de depilação semanal para eliminar qualquer pelo supérfluo são alguns dos procedimentos básicos para uma caracterização natural da mulher não-natural.

Algumas recorrem à maquiagem permanente, ao silicone e às lipoesculturas... Recursos que as deixam naturalmente mais lindas ainda!

Nem sempre cozinham bem ou estão dispostas a isso, mas a mulher não-natural sabe se produzir maravilhosamente para um jantar romântico em um belo restaurante. A lida diária e assalariada lhes permite esses caprichos.

O equilíbrio sustentado pela mulher não-natural fica a cargo dos saltos altos... Haja treino para garanti-lo! São horas e horas sobre agulhas e plataformas seja no supermercado, no escritório, na praça... Descer do salto, jamais!

Contemplo-as como quem contempla uma revista de estrelas. Valores outros talvez já em desuso, mas de uma gana tão admirável que nem mesmo a absoluta ausência de tempo lhes rouba a vaidade refletida num olhar de contemplação.

Mineirismo


Ser mineiro é mais que nascer ou viver nas terras das Minas Gerais, como definem os dicionários... Ser mineiro é ter um trem de ferro apitando nas veias, é ter os sinos da igreja matriz nos olhos, é fazer boca de pito, comer guisado de ora-pro-nobis com angú, banhar-se nas águas de cachoeiras cristalinas, é ter nos lábios a cor do minério de ferro, a resistência do aço laminado das siderúrgicas nos atos que exigem coragem, é ser doce e macio como os suspiros e as brevidades das cozinhas de fogão à lenha...
Mineiro das grandes cidades não foge às características do mineiro das pequenas urbes, só que tem saudades... Tem saudades de pedir a bênção aos pais e aos padrinhos, tem saudade de rolar no canto da boca uma sementinha de goiaba que escapou à peneira e vem premiar seu glutão no mais perfeito casal romântico da culinária mineira: goiabada cascão com queijo. Mineiro como quieto, fala pouco, desconfia sempre! Mineiro de metrópole quer comer couve com torresmo quando pensa na mãe, não perde o trem de vista, arranha os olhos com um trem, carrega um trem na bolsa e questiona o outro trem.
Se o acento da cantilena da voz mineira é substituído pela educação fonológica formal, o "uai" jamais é esquecido nos discursos de admiração, de indignação ou de dúvida... Uai, será que não?!
Salvo os linguistas, ninguém mais repara na transformação do léxico mineiro e, aos poucos, instauramos uma nova forma nominal dos verbos em substituição ao gerúndio, na qual ocorre, sem qualquer tipo de constrangimento, a apócope da consoante sonora /d/ , e já não mais estamos amando , querendo ou partindo mas, "amano, quereno e partino"...
Quando o mineiro está "amano", está "quereno" partilhar o seu amor e, se vai "partino", leva, na sua mala, preciosos quinhões desta terra hospitaleira. Êh trem!!! Mas disso os dicionários nada entendem!

O Pequeno Samuel


Samuel nasceu com o azul dos céus de setembro no olhar. Nasceu cumprindo sina de poeta e postou no blog neonatal a poesia própria de quem é íntimo do vento. Ao passar pelo túnel da nova vida, Samuel espiava um canto onde pudesse refazer suas forças pequeninas. Mirou o seio da mãe!
Samuel, que poderia ser Pedro, José, Miguel, carrega em si o chamado do Pai Celestial e, em hebreu,. significa exatamente isso “foi chamado pelo Senhor”. Samuel fará a diferença na vida do pai poeta, que bebe os sonhos na taça vazia dos rebeldes... Na vida da mãe:resoluta pela felicidade, na vida dos avós, padrinhos, irmãos que ainda não vieram! Samuel fará diferença na vida do mundo, porque é sinal da presença e da misericórdia de Deus nesse mundo que tenta dissecar as esperanças e pungir a dureza das pedras nos sorrisos insolentes dos puros.
Não! Não se apavore! Samuel não tem a missão de mudar destinos e suavizar o mundo por obrigação. Seu tamanho pequenino e seu olhar colorido apenas sugerem ao vento que seja morno e leve, à chuva que seja branda e periódica, à terra que seja fecunda e aos homens que sejam felizes. Coisas de poetas e sonhadores, mas que fazem a diferença no mundo.

Valha-nos Deus!


O português tupiniquim foi reformado de forma abrupta. Ops... ab-rupta! É isso aí!

Sob a égide da união entre os povos, o Acordo Ortográfico apresenta uma tentativa arbitrária de unificação da ortografia oficial de todos os países lusófonos.

Até 2012 a lei determina que nós tenhamos esquecido tudo aquilo que levamos uma vida inteira para tentar aprender, já que compreender não nos fora possível.

Assim, entre trancos e arrancos, para não deixarmos de contestar, vamos abolindo os acentos, os hífens e o desusado trema... Para não errar, tudo em caixa alta!

Mas qual o quê! Não é fácil imaginar a LINGUIÇA com pimenta do Rancho do Quinto sendo escrita como aquele carro velho , que sempre ENGUIÇA no morro. Nem o ESTILINGUE do garoto que estuda na escola BILINGUE ... Ah, valha-nos Deus!

Enquanto tentamos não parecer tias velhas que anotam receitas de bolos, com acentos circunflexos, em cadernos amarelecidos, os imortais da Academia Brasileira de Letras seguem TRANQUILOS tomando chá e comendo SEQUILHOS... Tramam tudo! Tudo sem trema,

Doçuras de Avó


Que venham os sabiás, pintassilgos e canários! Cantem para Luiza... Que venha a Banda Santa Cecilia, Danielle chaves, a menina –passarinho , os jovens da Orquestra de Luthiers! Toquem para Luiza...
Que venha Tom Jobim e sua canção para Luiza! Luiza completa 97 anos de idade e, ao longo desse quase um século de vida, seu pouco tamanho não intimidou as dores e os sofrimentos, não espantou a coragem da mulher pequena (e que não é pedaço) e os seus cabelos prateados refletem a luz da lua que bóia no céu de Jobim!
Os anos roubaram-lhe o vigor da corajosa mãe de dez filhos, mas não a doçura do coração ... Os anos encurtaram-lhe os passos, mas não a estrada, encurtaram-lhe a visão, mas não a paisagem... E Luiza permanece a contemplar as ruas, as fotos , os textos e se emociona com o que captura!
Cada vitória, cada dia vivido, cada superação , cada decepção constitui um diploma de Luiza... E na escola da vida Luiza se tornou mestre!
Que o sol brilhe para Luiza de maneira especial... Que mesmo os mais insensíveis admitam que Luiza é mais que uma pessoa qualquer.
Olhem para os olhos de Luiza! Cristais de néctar nos cantos... Doçuras de minha avó!

Antes que elas cresçam


Devo a meu público infantil uma coletânea de poemas dedicados às crianças. Isso não me sai da cabeça, mas sempre os afazeres de adulto me corrompem e vou enrolando a mim e a meu grande público de pequenos leitores.
Prometi – e tenho em adiantado processo – um livro infantil dedicado à Clarinha... A menina amiga do vento, que tem a serra no olhar e os cabelos ora em interrogações, ora em exclamações...
Impiedoso, Cronos, em sua grega divindade, não permite pausa para inspirar, para pensar e, que dirá, para escrever..
E o tempo atropela meus planos.
Em meio aos acidentes cronológicos passam-se os dias, meses e anos. Vejo a Clarinha se esticando em graça e sabedoria. Já está uma mocinha! E aqueles pequeninos admiradores de dois, três anos atrás? Daqui a pouco são adolescentes, que poderão me olhar com a revolta própria da idade por não lhes ter entregado os inocentes poemas aos quais me propus dedicar metafórica linguagem.
Os versos se misturam ao meu olhar contemplativo e sei que devo escrever rápido, enquanto ainda são crianças. Antes que elas cresçam.

Nos Bosques da Memória


As árvores de minha infância , trago-as de cor na memória... Os altos jatobeiros que abrigavam centenas de maracujás (doces visitantes folgados que se enredaram em suas copas e não quiseram mais deixar a hospedaria), as mangueiras, goiabeiras, abacateiros e laranjeiras de toda sorte que amadureciam o pomar no quintal de minha velha casa no bairro São Miguel. Havia também os limoeiros, a mexeriqueira candongueira , o pau-doce e o pé de marmelo, que nunca dera frutos, mas dessas últimas árvores eu não gostava muito. O marmeleiro nunca teve outra função que não a de fornecer seus flexíveis galhos finos para servirem de chibata a mim e meus irmãos à menor peripécia salutar da infância. Eta arvorezinha que não deixou saudades!

O mundo, no entanto, em pouco tempo se demonstrava bem maior que o grande quintal da minha casa e perto do bar do Seu Claudionor crescia o mais lindo pinheiro jamais visto naquelas redondezas... A Rua da Escola Coronel Câncio, na Vila Operária tinha as mais lindas e floridas patas-de-vacas. Não, não é exagero! Em nenhum outro lugar da cidade havia rua mais bonita e florida!Aliás, árvores que dessem flor mais bonita que aquelas, somente o pessegueiro da casa de Vó Dora e a margarida de árvore que cresceu perto do chiqueiro do quintal la de casa.

As árvores de minha infância permanecem apenas nos bosques da minha memória. Trago-as de cor... Que nada mais é que outra corruptela de nossa Língua (de cor= de coração) O que fora feito delas? Algumas viveram o quanto puderam e secaram de pé, como convém a toda árvore. Outras foram degoladas e ainda sangram em mim, como o velho pinheiro...

Ainda passo olhares furtivos pelas árvores de minha meia-idade... e tenho o privilégio das mais belas árvores, com nomes e sobrenomes, ao alcance de meu olhar. Cercam-me manacás floridos – mas a respeito desses falarei em outra ocasião - ipês protegidos por Lei Federal, flamboyants, paineiras e ela, a poderosa e deslumbrante acácia imperial! Um belo exemplar daquela que inspirou o terno poema de Guilherme de Almeida em A rua das rimas “e acácias paralelas, todas elas belas, singelas, amarelas,douradas, descabeladas, debruçadas como namoradas para as calçadas”. Acho que já não é viável confiar na memória as lembranças de tantas árvores... Será preciso fotografá-las para a posteridade, a fim de que não fiquem na memória apenas como uma natureza morta.