Regina Célia é escritora, formada em Letras, membro da AMULMIG _ Academia Municipalista de Letras de Minas Gerais, autora dos Livros Gangorra e Ad versos, alem de crônicas publicadas em jornais e em posts.

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Na Hora Exata



Na casa de minha tia havia um relógio despertador que era o encanto dos meus dias de criança... Era um despertador analógico, desses que quase não mais se vê e  tinha a figura de um jogador de futebol cuja perna – direita, se bem me lembro – fazia as vezes do ponteiro de segundo e a chuteira tocava a bola 60 vezes por minuto. Gostava de contemplá-lo e o exercício repetitivo do jogador causava câimbra em meus olhos.

Exageros à parte, a pureza da infância  cedia àquele objeto uma beleza ímpar e a sua contemplação  era impregnada ainda de um espírito reto de obediência, pois as visitas para brincar com as primas tinham hora marcada para acabar.

Com o tempo se exaurindo e o incansável jogador aplicando intermináveis pontapés nas horas, o café com bolo dava o ar de sua graça. Cheiro bom vindo da cozinha, fornadas quentinhas de quitandas e várias garrafas de café. Nada tão complicado para minha tia que trabalhava como cantineira escolar e estava habituada a servir grandes quantidades de alimentos às crianças, além de seus doze filhos.

Café forte, café fraco, bolo comum , broa de fubá com queijo, biscoitos e aquele negócio que me fazia tomar rumo de casa rapidinho: cará barbado!

Quando me ofereciam o tal do cará cozido minhas feições se arrefeciam. Nunca tive coragem de dizer a minha tia que detestava aquele troço, que tinha aos montes dependurados no cipó que beirava a área de serviços.

Eu, que gostava de associar as coisas que ouvia ora aqui., ora ali, tinha a nítida impressão que aquilo deveria ser o tal pão que o capeta amassou com o rabo! Gosto ruim, textura de inhame, formato de caranguejo...

Felizmente, o cará sempre chegava atrasado. Era só coloca-lo à mesa e chegava o momento em que o jogador arremessava para a hora exata de ir pra casa. Claro, eu não o comia.

Um comentário: