Regina Célia é escritora, formada em Letras, membro da AMULMIG _ Academia Municipalista de Letras de Minas Gerais, autora dos Livros Gangorra e Ad versos, alem de crônicas publicadas em jornais e em posts.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Na Porta dos Olhos


Naquela segunda-feira acordei mais leve. Minhas pernas doíam menos que de costume e o sol dera o ar de sua graça; Espanei o pó verde do bolor que encobria meu sorriso e passei um batom... É bom saber-se viva de vez em quando.

A grama ainda retinha algumas gotas de orvalho. O beija-flor em total desrespeito à luz de meus olhos os ameaçava com seu vôo. Lagartixas preguiçosas se esparrodavam no muro como se bocejassem.

Tudo realmente inspirava leveza naquela manhã. Até o meu andar!

Alguns sorrisos, cumprimentos, acenos de surpresa e eu já me encontrava no centro da cidade. Nem percebi o percurso sempre tão enfadonho.

Um ti ti ti meio perplexo chama-me a atenção à conversa alheia. Alguém morreu naquela madrugada que prenunciaria o dia de sol, mas quem? Apurei os ouvidos mas não consegui identificar...

Pouco à frente comentava um velho com o também velho professor na esquina e apontava para o jornal. Pois é. Morreu! E lançaram-me um olhar indecifrável.

Uma espécie de urticária me atacava o corpo naquele momento de pura curiosidade. Mas meu coração não me confidenciava nada! Logo meu coração que sempre me intuiu do que estava por vir... Foi quando me lembrei que deixei meu coração a tomar sol! Logo eu que detesto tomar sol coloquei-o à janela para os primeiros raios da manhã e não o recolhi de volta. Por isso a estranheza do dia, por isso o andar mais leve... Mas espere! “Coração não toma sol”... foi esse um dos títulos do Bartolomeu Campos de Queiros que mais me impressionaram!

Mas ora bolas... Coração que não toma sol é frio, cheio de geleiras... E o meu estava a tomar sol naquela manhã que noticiava a morte de alguém.

O taxista da pracinha se amontoava no radio do carro para ouvir a noticia. Dessa vez eu a ouviria também. A voz meticulosamente litúrgica dizia “Morreu nesta madrugada, no Hospital Felício Rocho, o escritor mineiro Bartolomeu Campos de Queiros...” Pronto. Não precisava ouvir mais nada.

A literatura infanto-juvenil vestiu seu luto. Sem coração no momento, porque o meu estava tomando sol, não sabia mais o que pensar. Sentir não poderia. `Peguei então emprestado do defunto uma só frase do seu Livro Por Parte de Pai e "Prendia as lágrimas na porta dos olhos"(p.73).

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