Regina Célia é escritora, formada em Letras, membro da AMULMIG _ Academia Municipalista de Letras de Minas Gerais, autora dos Livros Gangorra e Ad versos, alem de crônicas publicadas em jornais e em posts.

sábado, 5 de maio de 2012

Através do espelho de Alice


Um espelho na parede parece convidar a novos desafios. Esse espelho refletiu um rosto que o meu contemplava mas que  não me pertencia. Quem seria aquela figura estranha a me olhar  de maneira penetrante, mas sem a vivacidade que me acompanha? A maquiagem, muito bem feita, disfarça  linhas, rugas e poros abertos, mas a tez não corresponde ao olhar, que vez ou outra pisca soluçando.

Um grito de criança faz-me virar para o lado  e quando volto a olhar o espelho aquele rosto já não se encontrava emoldurado na parede.

Esse momento de íntima  visão encabulou-me sobremaneira.A pergunta que me acompanha há quatro décadas ecoa novamente: Quem  sou eu na verdade? Seria eu a que me vejo ou a que se viu? O olhar que me acompanha é o que vê e brilha  ou o que permanece inerte no espelho emoldurado? Onde eu me perdi entre o que olha e o que vê?Um sorriso que não esbocei se exibe no espelho como um aceno.

quarta-feira, 2 de maio de 2012

A Lenda do Grito da Mata


Diz a lenda que para uma lenda ser aceita é preciso ter um fundo de verdade, apesar do seu realismo fantástico.
A lenda que ora anuncio tem a sua origem no Sitio Arqueológico da Pedra Pintada, localizado na  Serra do Garimpo, Distrito de Cocais em Barão de Cocais.
Quem freqüenta esse paraíso pode ouvir nitidamente o barulho da cachoeira e ao longe o eco de um grito histérico abafado pela mata abundante da região.
Em um tempo não muito distante, estando o Sr. Zé Diniz a carpir sua roça de milho e Dona Maria a assar quitandas deliciosas no forno de barro existente no terreiro para agradar algumas visitas, eis que uma das visitantes se encanta com um pé de mato florido em cachos e sobre o qual Dona Maria discorria suas  propriedades medicinais: Esse mato é sabugueiro...Ajuda nas inflamações, é anti diarréico, ótimo para crianças com doenças como o sarampo e a catapora. O chá das flores secas do sabugueiro é utilizado contra resfriados, gripes, anginas e nas enfermidades eruptivas, como sarampo, rubéola, varíola e escarlatina, por provocarem rapidamente a transpiração.
O chá das cascas, raízes e folhas é indicado para combater a retenção de urina e o reumatismo. Além disso, o chá da frutinha purifica o sangue e limpa os rins. A gente deve colocar galhos de sabugueiro nas portas e janelas das casas para impedir a entrada do mal e  para proteger dos feitiços das bruxas e espíritos malignos...
Dizia ainda  que de sua madeira fora feita a Cruz do Calvário, e por esse motivo, dava azar cortar um tronco de sabugueiro, mas as flores poderiam ser colhidas. Contava enquanto fazia um belo buque das flores de sabugueiro, até que  , de repente, algo muito nojento, preguento e gelado grudou na mão da atenta ouvinte e nao se sabe quem arregalou mais os olhos a perereca verde que fora expulsa das folhas do sabugueiro ou a dona do grito que ecoa até os dias de hoje nas grotas da mata do garimpo. Dona maria ria escandalosamente e o Sô Zé Diniz chegou aterrorizado com o grito ouvido, dizendo ser da Mãe da Mata, pela dor das agressões sofridas.
Muitos tentam entender o estranho som que acompanha a serenata da cachoeira, mas para que a lenda persista muitoainda ha que se falar no Sabugueiro. Observe-se que a varinha mais poderosa do Mundo Mágico de Harry Potter é uma varinha feita de sabugueiro conhecida como a " varinha das varinhas” .
Nunca mais cheguei perto de um sabugueiro, que pode espantar maus espíritos, mas acolhe em seus galhos a nojenta perereca verde  e gela até hoje a minha mão. Eu, curupira avessada, acho que sou uma lenda viva.

terça-feira, 1 de maio de 2012

Um par de chinelos


Nasci no tempo errado. Pelo menos é o que as situações apontam. Nasci velha, mente amadurecida e corpo cansado... Nos dias de chuva não me importo de me molhar, pois não uso cabelos escovados e nem chapinha... Já ao sol, não saio sem sombrinhas... Embora nunca volte para casa com elas. Em que lugar do universo vão parar todas as sombrinhas e guarda-chuvas que perdemos???

Nasci num tempo em que a magreleza anoréxica é moda que não apenas se curte, mas também se compartilha, sou obesa.

Vivemos na moda do ecologicamente correto e os prédios mantêm cartazes dizendo pra dar preferência às escadas. Eu pago até um extra pelo elevador.

Os sapatos de salto, que não foram exatamente criados para as mulheres, mas para homens e para apresentar o status de seu usuário, foram estigmatizados como sinônimo de beleza, de feminilidade, de status, de altivez... (Eu odeio estereótipos!!!) E embora haja diferentes opiniões a respeito dos saltos altos, alguns como origem das "chopinas" (blocos de madeira utilizada como base/solado, onde o calçado era confeccionado), provenientes da China ou Turquia, eram sandálias com plataformas onde a altura dos solados apontava o nível social e chegava a atingir 40 cm. A mulherada desocupada resolveu aumentar a estatura valendo-se do recurso e há registro de casos  de senhoras da corte que elevaram suas plataformas até 70 cm e precisavam às vezes de dois criados, um de cada lado para conseguir o equilíbrio, as chopinas foram inicialmente utilizadas pelos nobres, passando pela burguesia e chegando as camadas sociais mais baixas, daí foram desprezadas pela elite, sendo que as últimas as utilizarem as chopinas foram as prostitutas.

Porque mesmo falei dos saltos? Ah sim, porque não nasci no tempo em que as sinhás eram carregadas em liteiras por escravos fortes e luzidios...Aliás, não seria sinhá! Nasci depois que um  certo rei Luis XV inventou o salto fino e os governantes resolveram calçar as ruas com pedras, paralelepípedos  ou mesmo deixá-las esburacadas.

Não sei o porquê de alguns idiotas olharem e se sentirem atraídos por pés esmagados num sapato de bico fino e salto alto.Olhem que o bico fino fora abolido e proibido no século XVI pelo  rei Francisco I da França, que  decretou o fim deste tipo de calçado e ainda no século XV, este tipo de pontas aguçadas foi proibido pelo rei da Inglaterra Henrique VIII , por ter pés largos e inchados, achava esse tipo de calçado inconveniente e doloroso. A partir de então foram aceitos os chinelos rasteiros com base larga e muito mais confortáveis.

Se o rei Henrique VIII não tivesse sido tão malvado com o clero, que se recusava a obedecê-lo como cabeça da igreja, na minha próxima audiência com o Papa iria sugerir a sua beatificação. Só um santo homem poderia proibir o desconforto dos pés! Um par de chinelos, por favor.