Na casa de minha tia havia um
relógio despertador que era o encanto dos meus dias de criança... Era um
despertador analógico, desses que quase não mais se vê e tinha a figura de um jogador de futebol cuja
perna – direita, se bem me lembro – fazia as vezes do ponteiro de segundo e a
chuteira tocava a bola 60 vezes por minuto. Gostava de contemplá-lo e o
exercício repetitivo do jogador causava câimbra em meus olhos.
Exageros à parte, a pureza da
infância cedia àquele objeto uma beleza
ímpar e a sua contemplação era
impregnada ainda de um espírito reto de obediência, pois as visitas para
brincar com as primas tinham hora marcada para acabar.
Com o tempo se exaurindo e o
incansável jogador aplicando intermináveis pontapés nas horas, o café com bolo
dava o ar de sua graça. Cheiro bom vindo da cozinha, fornadas quentinhas de
quitandas e várias garrafas de café. Nada tão complicado para minha tia que
trabalhava como cantineira escolar e estava habituada a servir grandes
quantidades de alimentos às crianças, além de seus doze filhos.
Café forte, café fraco, bolo
comum , broa de fubá com queijo, biscoitos e aquele negócio que me fazia tomar
rumo de casa rapidinho: cará barbado!
Quando me ofereciam o tal do cará
cozido minhas feições se arrefeciam. Nunca tive coragem de dizer a minha tia
que detestava aquele troço, que tinha aos montes dependurados no cipó que
beirava a área de serviços.
Eu, que gostava de associar as
coisas que ouvia ora aqui., ora ali, tinha a nítida impressão que aquilo
deveria ser o tal pão que o capeta amassou com o rabo! Gosto ruim, textura de
inhame, formato de caranguejo...
Felizmente, o cará sempre chegava
atrasado. Era só coloca-lo à mesa e chegava o momento em que o jogador
arremessava para a hora exata de ir pra casa. Claro, eu não o comia.