Regina Célia é escritora, formada em Letras, membro da AMULMIG _ Academia Municipalista de Letras de Minas Gerais, autora dos Livros Gangorra e Ad versos, alem de crônicas publicadas em jornais e em posts.

sábado, 4 de junho de 2011

Meteorologia*


O canto da cigarra prenuncia a chuva que os meteorologistas anteciparam. A joanete da velha da esquina também já dera sinal de que as águas estão por cair. As formigas cortadeiras trabalharam toda noite, para desespero de minha mãe, que vê suas roseiras reduzidas a um amontoado de gravetos presos ao chão pela raiz. Não há dúvida de que a chuva não tarda...

Vô Joaquim preparou, cuidadosamente, em cada uma das esquinas da casa uma lata de boca para baixo, a fim de que as goteiras da casa, construída em quatro águas, possam cantarolar ininterruptamente a balada que enlouquece e encanta, variando de acordo com o humor dos seus pobres ouvintes. É um dos seus rituais prediletos.

Vô Joaquim alerta que a lua é nova, é tempo de tribuzana (chuvas com ventos e relâmpagos) e diz que acha uma belezura a cantiga das goteiras ensaiadinhas... Particularmente, acho horrível! É um tec, toc, tac irritante, que parece ser ouvido não pelos ouvidos, mas pela parte frontal superior do rosto, ou seja, olhos e testa, que é onde concentro a tensão que o barulho de goteira sobre superfície metálica e oca ( como as latas!) me provoca. Ah, quantas vezes já desejei sair sob a chuva para retirar esses objetos estrategicamente mal colocados 9ou esquecidos!

Pelas bandas do garimpo já está caindo um toró! Quase não se vê mais a serra! Em Santa Bárbara, embora o padroeiro seja Santo Antônio, quase todos já apelaram para as graças da protetora das tempestades, que empresta seu nome à cidade. As palhas bentas do Domingo de Ramos já estão à mão para qualquer necessidade ( dizem que abranda os relâmpagos).

Um vento forte faz as folhas da mangueira varrerem o telhado. Os eucaliptos da Pampulha fazem uma magnífica coreografia jazzística... A chuva chega branda e a luz nem chegou a piscar. O sol permanece com o ar de sua graça e as crianças cantam "sol com chuva, casamento de viúva!" Em pouco tempo percebe-se o mormaço ocasionado pela evaporação das águas.

Não foi preciso usar as palhas bentas... As latas de vô Joaquim nem chegaram a cantar e minha mãe, aproveitando-se da lua nova, procede à poda das roseiras, que já desfolhadas, farão emergir novos brotos roxos, repletos de botões.

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*Texto recuperado. Escrito e publicado por mim em algum lugar e tempo passados. Atualizado para o blog.

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